"O Filósofo Voador" é a história romanceada do encontro de um homem comum com um morador de rua de uma grande metrópole contemporânea. Eles se conheceram por acaso em uma calçada inóspita. Aos poucos, vão aprofundando a amizade. Vazado em primeira pessoa, o romance manipula temporalidades diferentes e apresenta vários personagens, misturando ficção e realidade.
O narrador descobre que o homeless que o cativara tinha sido um grande artista de circo no passado. E levanta a história dele. Seus pares ainda estavam vivos e o consideravam o maior trapezista de todos. Ele tinha diante de si, vivendo na sarjeta, um homem que conseguia "voar" – alguns dos seus números nunca mais foram repetidos e viraram lenda, como "o duplo mortal com saída de janela" (de frente).
Dover Tangará, esse é o nome do ex-trapezista, desceu aos infernos quando foi detido pela polícia política da ditadura, em pleno anos 70. Desenvolve então uma paranoia que o fez abandonar tudo e sair a caminhar pelo mundão afora, à mercê da experiência de quem renuncia a tudo- a carne viva exposta à intempérie cruel dos tempos. Mas conserva a lucidez. Lucidez essa que só a loucura proporciona, daí o apelido "Filósofo Voador".
O romance “O Filósofo Voador” usa de artifícios ficcionais para contar a história verdadeira de Dover Tangará e sua famosa família tradicional de circo, os Tangarás – o aprendizado, as façanhas, os amores. Para tanto, o autor criou personagens e situações que sintetizam o universo circense, esse mundo único e desconhecido.
Mas ninguém definiu tão bem a obra quanto o poeta e editor Reynaldo Damázio, na orelha da edição impressa. Leiamos:
"Os caminhos da ficção e da realidade se cruzam nas páginas deste livro, como se cruzaram os passos do escritor Eduardo Rascov e os do trapezista Dover Tangará. O primeiro em busca de uma boa história, com traços de certa humanidade perdida na brutalidade do cotidiano; o segundo, membro de uma tradicional família de circo e grande artista do passado, deambulando pelas ruas de São Paulo como um filósofo maltrapilho à cata da memória estilhaçada.
O relato pungente sobre a trajetória de um artista voador, criado no ventre mágico de lona do circomundo, coloca o leitor imediatamente diante dos mitos trágicos do anjo caído e do mergulho de Ícaro no abismo do sonho - esta poderosa máquina do espírito humano. Executando números audaciosos e espetaculares no ar com os irmãos, sob olhares hipnotizados do público, Dover experimentou o gosto sedutor da glória e foi considerado o melhor trapezista do país.
Um episódio tolo, acirrado pelo clima tenso no período da ditadura militar, deixou em Dover um trauma que foi minando aos poucos sua mente e acabou por levá-lo à sarjeta. Do universo acolhedor do circo e da fama incontestável à solidão e ao abandono nas ruas, a vida do artista revela a frágil condição de todos nós e os limites daquilo que pode ou não dar sentido ao que somos.
Entre mendingos, loucos, cães e detritos de uma sociedade que se autodevora, Dover luta para manter a dignidade e a sabedoria, olhando para o mundo como se ainda conseguisse voar, ao menos na imaginação. De suas lembranças confusas, entre lapsos de pensamento e surtos depressivos, emerge a figura do homem talentoso e ingênuo, misto de clown e herói, que foi toscamente deslocado de seu mundo.
Quais os significados da queda vertiginosa de Dover Tangará? Haverá ainda lugar para a arte circense e sua galeria maravilhosa de personagens na cultura da tecnologia e de consumo que nos rodeira? Quais as fronteiras entre arte e vida? São questões que atravessam a narrativa, como acrobacias num picadeiro de verdade.
Ao transportar a história de Dover para a literatura, Eduardo Rascov preencheu as lacunas na ordem dos fatos com reflexões poéticas, deixando ao leitor o desafio de encontrar os fios da meada.”