De todos os espectaculos, que a industria humana tem dado ao mundo nenhum mais admiravel do que a navegação. Entes fracos e mortaes filhos da terra ousaram transportar-se sobre elemento inestavel e perigoso, levantar edificios em cima das aguas, dominar os ventos, e voar ás extremidades do mundo por baixo de Ceos desconhecidos. Mas qual é a sorte do homem? Dotado de coração tão perverso, quanto o espirito é grande; o crime assenta-se ao lado do genio. De todas as invenções sublimes tem os homens abusado. Dos vegetaes extraíram venenos: do ouro a moeda que tudo corrompe. As artes serviram-lhe para multiplicarem os meios de se destruirem. A navegação é, sobre tudo, origem de mortandades; o mar tornou-se campo de carnagem; e as ondas foram ensanguentadas pela guerra. As duas partes do globo oriente, e occidente, terra e mar, são igualmente o theatro das desgraças e crimes do homem: com a differença, que dilatando as vistas e passos ao longo do continente, descobrimos ruinas e despojos do ferro e fogo; campos e ermos incultos; porém o mar sendo tumulo de grande parte da humanidade, nenhum vestigio offerece de tantos estragos. Todos os dias passa o navegador com despejo por cima das ondas, que tem engolido milhares de homens. Quem não desejará voltar aos tempos felizes de ignorancia e parcimonia, em que nossos avós menos grandes, porém menos criminosos, sem industria, mas sem remorsos, viviam pobres e virtuosos, e morriam nos campos que os tinham visto nascer.[2