UM LIVRO DE SEMPRE
Mesmo em seu estado larvar, para usar conhecida expressão do gênio Darcy Ribeiro, quando ainda se vestia de dissertação de mestrado, a obra de Olavo Hamilton não fazia concessões à falsa modéstia que, por vezes, serve de pálio para tantas mediocridades que vicejam nas academias. O tema instigante e o bem construído texto tiveram excelente acolhida no meio acadêmico e no mundo jurídico, dentro e fora do Brasil.
Assim, veio a lume com a justa pretensão de lançar generosa réstia em desvãos onde poucos se aventuram: quando fustiga acerbamente a arcaica tese da guerra contra as drogas, bem na esteira da formulação original the war on drugs, nascida da declaração do ex-presidente Richard Nixon, em junho de 1971, que inadvertidamente lançou o seu próprio país e o mundo num enorme pântano.
Mais de cinco décadas após, a única solução viável é fazer o caminho de volta, da descriminalização paulatina do uso de drogas, mesmo porque todos os esforços do Governo norte-americano e, por conseguinte, de todos os países sob influência do Estados Unidos da América, inclusive o Brasil, com diversas forma de intervenção, a exemplo da Intercept Operation, em meados dos anos 90’ do século XX, a despeito da posição do ex-presidente Jimmy Carter que, já em l977, fazia incisivo pronunciamento no Congresso quando afirmou que as “penalidades contra posse de droga deveria ser mais danosa que a droga em si”.
Com Reagan exacerbou-se terrivelmente a guerra contra as drogas e, hodiernamente, se alternativas não forem levadas em consideração, as soluções podem não vir jamais. No mundo inteiro, inclusive, em vários estados norte-americanos o uso de certas drogas têm sido descriminalizado, com avanço da ideia de Estado Regulador como instância de plena fruição dos direitos humanos, tendo como azimute o princípio da dignidade humana e como ápice a regulação responsiva, que pressupõe o diálogo de todos os atores envolvidos.
A propósito, o livro “Princípio da proporcionalidade e guerra contra as drogas” foi citado em histórica decisão da Suprema Corte de Justicia de la Nación, do México, que teve como relator o Ministro Arturo Zaldívar Lelo de Larrea, em que trata o uso da maconha como questão de saúde pública e sua proibição se faz desproporcional e inútil.
Por fim, Olavo Hamilton enfrenta com altivez e senso crítico apurado a discussão sobre o movediço tema do princípio da proporcionalidade, enquanto ferramenta valiosa de balizamento interpretativo e de aplicação da lei, sobretudo, tocante aos juízos de adequação daquela e que ganha especial relevo como critério hermenêutico no plano constitucional.
A proposta de descriminalização de certas drogas e adoção de uma regulação responsiva, não pode ser pensada, hoje, fora dos marcos do princípio da proporcionalidade, mormente nos países que adotam o sistema da Civil Law. Certamente, esse é um dos méritos mais evidentes do livro de Olavo, que chega mais robustecido pela sua grande aceitação, aqui e alhures, à sua terceira edição. E a ousadia de Olavo Hamilton produziu aquilo que J. Ruskin, crítico de arte inglês (1819-1900), denomina como livro de “sempre” em contraposição ao livro da “hora”, aqueles efêmeros: “All books are divisible into two classes, the books of the hour, and the books of all time”.
Paulo Afonso Linhares